Cenpec entrevista Margarita Gomez, autora do livro Educação em Rede Uma visão Emancipadora
Formada em Ciências da Educação na Argentina, mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo e doutora em Educação pela mesma instituição, Margarita Gomez é autora do livro "Educação em rede: uma visão emancipadora" (Cortez Editora).Atualmente, é professora do mestrado em Educação na Universidade Vale do Rio Verde (Unincor/MG), onde desenvolve pesquisas na área de formação de professores, educação à distância e em rede.
Em entrevista ao Cenpec, Margarita fala sobre os benefícios do uso das redes sociais nas escolas, mas ressalva: "O fortalecimento da rede não basta se não for acompanhado pelo cuidado das pessoas, alunos e professores, e da vida em particular".
Por que trabalhar em rede? De que modo o aluno e o professor podem se beneficiar desse trabalho em rede?
Porque o trabalho em rede permite compartilhar experiências e conhecimentos através do diálogo e da comunicação; permite formar comunidades e fazer coisas junto com outras pessoas, combinando situações presenciais e online. Trabalhar em rede tornou-se em parte uma necessidade, a partir do momento em que a economia foi aos poucos deflagrando modos descentralizados de produção, sustentada na informação e no conhecimento.
Certamente, o sistema educativo está atrelado a essa economia que, de alguma maneira, responde em termos de ganhos ou perdas em vez de enriquecimento mútuo por um processo educativo solidário e humanista. E, mesmo que as redes sociais mais conhecidas no âmbito local não tenham sido criadas para educação, o aluno e o professor podem se beneficiar quando adquirirem autonomia para decidir pelo trabalho em rede, pois ele não se dá por decreto. A rede é mais um espaço da escola contemporânea que necessita orientação e cuidado para se transformar em um dispositivo pedagógico.
De que modo o uso das novas tecnologias e das redes devem estar contemplados no projeto político-pedagógico da escola?
Depende do projeto da escola. Acredito que o uso das tecnologias da comunicação e da informação e das redes sociais devem estar contempladas no projeto pedagógico da escola, em primeiro lugar, quando considera a cultura como um dos eixos do processo de aprendizagem. Uma escola que desconsidere a cultura de seus membros, dificilmente vai ter interesse de conhecer a cibercultura ou a cultura de cada um.
Assim como temos no contexto de cada projeto político-pedagógico uma sustentação teórica do que entendemos por educação e uma explicação a partir da própria experiência, pode-se dizer que nas práticas educativas com a internet também temos uma sustentação legal e metodológica.
No Brasil, especificamente nos últimos dez anos, tem-se implementado legislações que cuidam do uso da tecnologia na educação. Por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB nº 9.394/96) legisla sobre a formação e a acessibilidade às tecnologias da informação e da comunicação(TICs). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), seguindo essas orientações, se voltam também para a aquisição e o domínio conceitual, procedimental e atitudinal, de maneira interdisciplinar, de um conjunto de saberes tecnológicos considerados relevantes e significativos para a educação contemporânea. Esses conteúdos também estão relacionados aos temas transversais.
É correto afirmar que, para os professores, as redes podem ter um duplo uso: tanto na sua formação como nas práticas dentro e fora de sala de aula?
Para os professores estar na rede é uma multiplicidade. Tanto pode ser parte da sua formação inicial e continuada, presencial e/ou à distância, quanto das práticas em sala de aula que conformam o mesmo universo. É evidente que a formação do professor vai além do curso de graduação inicial. Ela se estende por toda a vida e sua atuação numa gestão democrática ultrapassa os muros da sala de aula. A sua prática é estendida em outros âmbitos, integrando a educação formal com a chamada educação informal. Tudo é possível, embora as condições de trabalho não sejam adequadas e, por vezes, impeçam a dedicação e articulação do professor ao universo cultural e tecnológico atual.
Uma das características das redes é a horizontalidade das relações, a ausência de hierarquias. Logo, como ferramenta pedagógica, exige uma outra postura do professor, que assume um novo papel. Você poderia comentar essa quebra de paradigmas imposta pelas novas tecnologias?
A rede só é aparentemente horizontal pelo fato de que muitas pessoas lêem, escrevem e falam entre si usufruindo dela. Nesse sentido o aluno pode se informar tanto através do professor como da rede e aí temos que esclarecer que informação não é conhecimento e conhecimento não é educação. Claro que se nos referimos a um professor tradicional, que observa as hierarquias mas que a partir do uso das redes muda o seu modo de pensar e fazer educação estaremos frente a uma ruptura epistemológica, o que não necessariamente pode ocorrer simplesmente porque ele usa a internet, já que ele pode usar a rede com um viés de controle e com restrições e não de maneira aberta e democrática. Somente quando o professor der sentido ao seu fazer na cibercultura ele possibilitará sua autonomia e a dos alunos.
É essa mudança de postura dos educadores um dos maiores desafios para utilização das novas tecnologias na educação em todo o seu potencial, visto que os professores não são formados para tal?
A mudança de postura dos professores será uma decorrência do acesso, uso e recriação da rede. Não se deve colocar o professor como protagonista das mudanças no viés daquele que não foi formado para tal situação, mas sim como aquele que aprende ou pode aprender permanentemente e por isso ensina.
As mudanças que a internet traz para a educação advêm da convergência dos investimentos que as políticas públicas fazem em educação e na profissão docente. A mudança é lenta e não educamos na busca de ganhos ou perdas, mas sim na busca da humanidade, da solidariedade. Se aceitamos que neste mundo se usufrui só do que se compra e se vende, do que se consume, a educação como direito social e como possibilidade de humanização terá acabado e as redes poderiam contribuir mais para a ignorância do que para o esclarecimento. O fortalecimento da rede não basta se não for acompanhado pelo cuidado das pessoas, alunos e professores, e da vida em particular.
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